29.5.07

O Belo: uma experiência de eternidade e de divino

Depois de se reflectir sobre a verdade e o bem, o ciclo de conferências “Eis o Homem”, terminou com uma conferência sobre o belo.
Jorge Silva Melo começou por considerar que o artista faz entender aos outros o que entende. O Director Artístico da sociedade Artistas Unidos relembrou Diderot pois este referia-se inúmeras vezes à Cúpula da Basílica de São Pedro como coisa impossível, “uma experiência estética que considerou ser um escândalo, que considerava belo porque ultrapassava as necessidades, porque a sua concepção não era necessária para as coisas práticas”. No Séc XVIII, continuou, o que é belo “é aquilo que é justo e adequado. Nos anos 20, no cinema, um plano era belo pela sua adequação, a justeza correspondia à beleza”. A beleza pode-se adequar ao bem, “sendo esta a ponte que nos liga ao bem, a adequação”.
Actualmente “o belo já não interessa, mas antes o sórdido e o feio”. O belo está no limite da verdade. “A verdade vai deitando abaixo o que antes consideramos belo. Algumas obras belas vão sendo recuperadas porque novos elementos surgem para nos iluminar e voltar a considerar o passado - é o renascer”.
“O que me parece ser o trabalho de quem cria é que, e estando nós em tempo de Pentecostes, poucos conseguem em alguma coisa, ir transformando. O que os artistas oferecem sempre, o belo como norma como aproximação do justo e bem, ou como destruído pela verdade, ou transformado numa santa verdade, aparece como um trabalho militante de quem quer encontrar as novas formas”.
O Director da Cinemateca Portuguesa iniciou a sua participação na conferência com três questões. “Porquê e o que chamamos belo, o que nos faz todos estarmos de acordo que este sítio - referindo-se à Sé Catedral de Lisboa -, mesmo que não estivesse afecta ao culto, impõe pela sua estrutura, impõe o sentimento do belo?”
E prosseguiu. “Porque é que não só na religião católica mas em todas as religiões que os templos e lugares de oração foram lugares de beleza?”, referindo-se a exemplos do Ocidente a Oriente, da Grécia antiga, “os grande templos são sempre das grandes obras dessas civilizações? Um lugar para rezar e não para ver uma coisa bela?”
E terceira questão - “Se lermos os Evangelhos, não há praticamente referências estéticas, não se diz se Jesus Cristo era ou não belo”, apenas encontrando uma excepção no momento em que Cristo faz a comparação entre os líricos do campo e as vestes do Rei Salomão. “Não é abordado directamente, mas fica implícito”, explica João Bénard da Costa.
Todas as perguntas apontam para “a mesma ordem de mistério”. Ao colocar a questão, em todas as meditações e reflexões sobre o belo, “o que é a imutabilidade ou permanência do belo, como se estabelecem conceitos em torno do belo”, o Director da Cinemateca Portuguesa aponta que “tudo é relativo, o belo hoje deixará de o ser amanhã, porque o código de beleza muda”. Mas ao mesmo tempo aponta que “encontramos o desmentido permanente a isso mesmo porque uma estátua grega, apesar de transformada ou contestada, continua a ser o mesmo ideal”.
“A beleza cada vez se percebe menos e não mais”, reflectiu. O fundamental do encontro surge na “ordem do mistério e perfeitamente inexplicável”. A arte “não permitia admitir um critério ou termo”.
Platão entendeu que “não era só no mundo sensível que o belo se impunha”. Surgindo daqui nova interrogação que João Bénard da Costa questionou - “haverá beleza noutro mundo para quem acredita nele? A bondade e verdade podem existir fora de um contexto sensível? Mas num mundo só belo ou só de bondade perdia-se o conceito de belo e de bondade”, acrescenta, pois considera que “a obra de arte é uma compensação a um terror que a vida inspira”, valores que “não existem fora do nosso mundo sensível”.
João Bénard da Costa recorda um quadro português, de autor que afirma desconhecer, que representa o momento em que Pilatos apresenta Cristo à multidão, eis o homem - Ecce Homo. “Não conheço outros, que representem a mesma cena onde Cristo tem os olhos fechados”, e explica que nesse moemnto da condenação, em que se cumpre o que estava destinado, “só há as trevas e a morte, e a beleza desaparece”. Por isso conclui que a beleza é uma afirmação da vida e “da nossa vida sensível, da nossa carnalidade e da nossa sensibilidade, algo que ultrapassa a nossa própria dimensão”.
No final, o Cardeal D. José Policarpo referir que a acção central da Igreja se podia resumir em dois verbos - convencer e atrair. “Convencer é o objectivo da palavra, atrair é inevitavelmente o efeito da beleza. A palavra convence, a beleza atrai”.
Discordando com João Bénard da Costa, acerca da ausência de expressões da beleza de Jesus Cristo, D. José Policarpo recordou algumas passagens “irresistivelmente atraentes”.
“Porque que é que os tempos são belos? Podíamos continuar a pergunta e chegar até à questão de porque é que a liturgia deve ser bela? porque é que esta noite foi bela? E porque é que a Igreja sempre não se limitou a tentar convencer, mas percebeu sempre que era preciso atrair e inevitavelmente põe a questão da beleza e da verdade”, considerou.
João Paulo II chamou “o esplendor da verdade” ao amor praticado pelos cristãos. A palavra e a beleza “são duas linguagens de abordagem do mistério, da revelação do mistério. A palavra revela, a beleza desvela”, afirmou o Cardeal patriarca, que considerou a beleza “uma experiência de eternidade e de divino”.

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