30.3.07

Grande Silêncio II

A deslocação a um cinema para ver um documentário de cerca de três horas sobre a vida monástica dos cartuxos (a ordem de clausura com regras mais ascéticas) – filmado com som ambiente, luz natural e sem equipa técnica, que não o realizador, segundo regras estabelecidas pelo abade para, dezasseis anos após o pedido de Gröning, autorizar a entrada na Cartuxa – é experiência radical a que não aconselharia noventa por cento dos meus amigos. Tudo levava a imaginar um filme chatíssimo, e apenas uma conjugação de interesse artístico e religioso me levou aceitar a experiência. Sim, a experiência, porque é disso que o filme trata. A experiência de partilhar uma forma de vida exótica perante os padrões de vida de hoje em dia. Mais do que “entrar” no silêncio, entramos num mundo paralelo em que o tempo é conceito diferente, regrado e repetitivo, mas tranquilo.
A clausura sempre foi uma manifestação de fé que tinha grande dificuldade em compreender. O que levaria um ser humano livre a deixar-se reger por um regime de vida profundamente ascético e que tornava a sua existência um mero ritual repetitivo de oração? Porque motivo alguém escolhe, no mundo de hoje em que as liberdades são conhecidas por (quase) todos, uma vida em que o mundo é apenas uma existência física para lá de muros e paredes? O filme não procura esta resposta, como aliás não procura nenhuma resposta, seguindo o rigor jornalístico na forma com se “limita” a mostrar uma vivência, uma opção de vida, sem um julgamento moral ou social. Gröning não nos diz que esta reclusão, ou qualquer outra reclusão, é boa ou má, aceitável ou não, apenas nos mostra com crueza e rigor como é vivida essa reclusão. Claro que observar como é a vida de clausura nos permite ter o nosso próprio julgamento, não condicionado por ideias veiculadas no filme, mas sim pelo nosso julgamento perante a realidade que nos é mostrada. Ao ver como é a vida destes monges, consigo melhor perceber que assim consigam viver.
O silêncio é algo de que tendemos a esquecer o valor. Quantas vezes poderemos dizer que estamos, de facto, em silêncio? Hoje, a sociedade associa o silêncio à solidão, à tristeza, a uma fuga da realidade cada vez mais barulhenta e feérica, a uma fuga do mundo. Acredito que tudo isto se passe em cada monge que escolheu a vida da Cartuxa, apenas um factor não é semelhante, para eles o seu mundo não é o nosso mundo vulgar e comezinho, o seu mundo é o espiritual, e o “nosso” é apenas suporte físico intermédio numa relação permanente com o divino.
Será a clausura necessária para alguém poder dedicar a sua vida a Deus? Não creio, mas é uma forma como qualquer outra para alguém se encontrar consigo próprio e com Deus. Não será tão exótica esta opção de vida radical como será a dos hippies ou dos ciganos nómadas? Cada vez mais a sociedade nos manipula a acolher diferenças que se tornam politicamente correctas e que acabamos por ter de aceitar, porque não aceitar que alguém queira simplesmente ter o seu mundo sem incomodar ninguém?
Cinematograficamente o filme é interessantíssimo, pois mostra o enorme talento de Gröning para filmar em condições mais do que complicadas. Ele não podia utilizar as técnicas habituais, a sua câmara teria de ser crua e discreta, simples e sem artifícios. A beleza estética que resulta das imagens é impressionante e há planos inesquecíveis, tais como as orações nocturnas acompanhadas por cantos gregorianos ou os primeiros planos frontais dos monges. Não obstante, o mais notável no filme é a forma como o mesmo é montado e com isso consegue criar uma lógica argumentativa. A montagem consegue tornar o filme surpreendentemente ritmado, criando um ciclo repetitivo de tempos, um ciclo nunca fechado, permanente. A sequência de imagens alterna imagens da vivência dos monges – rezando, comendo, cantando – com a natureza em redor – com a maravilhosa natureza em redor e as suas montanhas cobertas de neves ou ribeiros correndo na primavera. Gröning consegue, através de uma brilhante realização e de uma fabulosa montagem., criar uma quase-hipnose ao longo do filme da qual apenas somos despertados quando as luzes se acendem. No final do filme, a sensação é a de que de facto estivemos na “Grande Chartreuse” por tempo indefinido, há um tempo indefinido. Enquanto o filme dura esquecemos o mundo, o nosso mundo, e compartilhamos a experiência de espiritualidade vivida pela oração, por uma vida de constante oração.

in Anarcoconservador, 30 de Outubro de 2006

29.3.07

O Grande Silêncio



Entrevista, em inglês, com o realizador Philip Groening, disponível aqui.
É longa, mas vale bem a pena ler.


Aproveito para juntar uma pequena história/reflexão sobre o filme, da autoria de Luís Onofre, sj, intitulada:

Adormeci no cinema e não vi o filme!

O bilhete não dizia em lado nenhum que era para um filme. E de facto, durante as 2h44m da sessão não vi filme nenhum. Fui convidado a contemplar a vida num mosteiro dos Alpes franceses. Sem música, sem artifícios, para poder procurar a intimidade com Deus (em silêncio e sem falta de tempo), tal como o fazem os monges cartuxos. Como diz a sinopse "um documentário que não representa um mosteiro, mas que se transforma num mosteiro". Parece interessante a ideia... Ao fim de 5 minutos já dormia. Passado meia hora acordei. E ainda tinha mais de 2h para poder aproveitar uma das melhores idas ao cinema de sempre.

A busca de Deus é muitas vezes assim. Ao início parece uma seca. Não acontece nada. Durmo. Farto-me. Apetece-me desistir. Se insisto e fico, aos poucos começo a entrar numa outra lógica, que me permite valorizar todas as coisas de forma distinta, que dá sentido, que me coloca com Deus. Que me dá uma paz calma, sem maquilhagem. Perguntaram ao realizador (o alemão Philip Gröning) se através deste documentário o espectador entende o que fazem os monges. Respondeu: "Não é algo que me importe. O meu filme não tem que dar resposta a todas as perguntas. [...] Hoje em dia estamos literalmente bombardeados de informação. O que falta - e que cada um deve descubrir em si mesmo - é o significado das coisas."
( http://parecianborrachos.blogspot.com/2006_12_01_archive.html)

Fórum Arquitectura Religiosa

18 e 19 de Maio, Póvoa de Varzim, Auditório Municipal
Mais informações (ver aqui)
Programa (ver aqui)
Inscrições (ver aqui)

23.3.07

Quarto Domingo da Quaresma





Outra homilia sobre Lc 15,1-3.11-32: Parábola do Filho Pródigo

SOBRE QUATRO FOTOGRAFIAS DE DUANE MICHALS
Uma fotografia é muito mais do que aquilo que se vê. Viajo por uma sequência de imagens.
O filho regressa, talvez do mundo, talvez disso que o mundo tem de solitário, de aflito, de remoto. Consigo imaginar o sofrimento expresso na sua nudez, ainda jovem. Mas a vulnerabilidade do pai que despe, uma por uma, suas próprias roupas e reveste, com elas, o filho, desconcerta-me ainda mais.
No cima da página, a legenda: O regresso do Filho Pródigo.
Mas podia ser também a história do amor. De todo o amor.

in O Vento da Noite, Assirio e Alvim, 2003.
(texto do blog 'O bom pastor')

21.3.07

Conferência

Ars Sacra. Formas de Religiosidade e Sacralidade nas Artes Decorativas Portuguesas. (ver aqui)

AE


Herz-Jesu-Kirche, Munique (ver mais)